
They Live (Eles Vivem) é um filme de 1988 dirigido por John Carpenter, em que um homem descobre que somos controlados pela mais alta casta da sociedade, composta de alienígenas que só podem ser vistos com o uso de óculos especiais. Você pode não saber, mas o filme foi baseado no conto Eight O’Clock in The Morning, escrito em 1963 por Ray Faraday Nelson. Você pode conferir a minha tradução do conto logo abaixo. Espero que goste!
Oito Horas da Manhã (Eight O’Clock in The Morning)
Ao final do número, o hipnotizador disse aos seus voluntários:
– Acordem.
Algo incomum aconteceu.
Um dos voluntários despertou por completo. Isso nunca havia acontecido antes. Seu nome era George Nada e ele piscou para o mar de rostos no teatro, a princípio inconsciente de qualquer coisa fora do comum.
Então ele percebeu, identificando aqui e ali na multidão os rostos não humanos, os rostos dos Fascinadores. Estiveram ali o tempo todo, é claro, mas apenas George havia despertado de fato, então apenas George os reconheceu pelo que eram.
Ele entendeu tudo em um instante, incluindo o fato de que se desse qualquer sinal, os Fascinadores o comandariam imediatamente para retornar aos seu estado anterior, e ele obedeceria.
Ele deixou o teatro e foi para a noite neon, evitando com cuidado dar qualquer indício de que tivesse visto o corpo verde reptiliano ou os múltiplos olhos amarelos dos comandantes da Terra. Um deles o perguntou:
– Tem fogo, amigo?
George o deu fogo e seguiu em frente.
Em intervalos ao longo das ruas, George viu os pôsteres pendurados com fotografias dos múltiplos olhos dos Fascinadores e várias ordens impressas abaixo deles, como “Trabalhe por oito horas, divirta-se por oito horas, durma por oito horas” e “Case e reproduza”.
Uma TV no mostruário de uma loja chamou a atenção de George, mas ele desviou o olhar no último segundo. Quando não olhava para o Fascinador na tela, podia resistir ao comando “Fique ligado neste canal”.
George morava sozinho em um pequeno quarto, e assim que chegou em casa, a primeira coisa que fez foi desligar o aparelho de TV. Ainda assim, podia ouvir os aparelhos de TV de seus vizinhos em outros quartos.
Na maior parte do tempo, as vozes eram humanas, mas de vez em quando ele ouvia o coaxar arrogante, semelhante ao de um pássaro, dos alienígenas. “Obedeça o governo”, disse um coaxar. “Nós somos o governo”, disse outro. “Nós somos os seus amigos, você faria qualquer coisa por um amigo, não faria?”
“Obedeça!”
“Trabalhe!”
De repente, o telefone tocou.
George atendeu. Era um dos Fascinadores.
– Alô – coaxou a coisa – Aqui é o Chefe de Polícia Robinson. Você é um velho, George Nada. Amanhã de manhã, às oito em ponto, seu coração vai parar. Por favor, repita.
– Eu sou um velho – disse George – Amanhã de manhã, às oito em ponto, meu coração vai parar.
O Chefe desligou.
– Não, não vai – sussurrou George.
Imaginou por quê o queriam morto. Suspeitavam que ele tivesse acordado? Provavelmente. Alguém deve tê-lo identificado, percebido que não respondia da mesma forma que os outros. Se George estivesse vivo um minuto após às oito amanhã de manhã, então eles teriam certeza.
“Ficar aqui e esperar pelo fim não vai ajudar em nada” – pensou.
Ele saiu novamente. Os cartazes, a TV, as ordens ocasionais de aliens que passavam por ele não pareciam exercer poder absoluto sobre ele, embora ainda se sentisse muito tentado a obedecer, ver as coisas da forma que seu mestre desejava que ele visse.
Ele passou por um beco e parou. Um dos aliens estava sozinho lá, reclinado contra o muro. George andou até ele.
– Cai fora – grunhiu a coisa, focando George com seus olhos mortíferos.
George sentiu o domínio de sua consciência oscilar. Por um momento a cabeça do reptiliano dissolveu no rosto de um amável velho bêbado. É claro que o bêbado era amável. George apanhou um bloco e o esmagou com toda sua força na cabeça do velho bêbado.
A imagem ficou borrada por um momento, então o sangue verde-azul escorreu pelo rosto e o lagarto caiu, contraindo-se e contorcendo-se. Após um momento, estava morto. George arrastou o corpo para as sombras e o revistou.
Havia um pequeno rádio em seu bolso e uma faca de formato curioso no outro, junto com um garfo. O diminuto rádio disse algo em uma língua incompreensível. George colocou-o ao lado do corpo, mas manteve os utensílios de jantar.
“Seria impossível para mim escapar“ – pensou George – “Por que lutar com eles?”
Mas talvez ele conseguisse.
E se pudesse despertar outros? Era algo que valia a tentativa.
Andou doze quarteirões até o apartamento de sua namorada, Lil, e bateu na porta. Ela o atendeu em seu roupão de banho.
– Eu quero que você acorde – disse ele.
– Estou acordada – disse ela – Vem, entra.
Ele entrou. A TV estava ligada. Ele a desligou.
– Não – disse ele – Quero dizer acordar de verdade.
Ela o olhou sem compreender, então ele estalou os dedos e gritou:
– Acorde! O mestre ordena que acorde!
– Você tá fora da casinha, George? – perguntou ela, desconfiada – Você está agindo esquisito.
Ele a esbofeteou.
– Para com isso! – gritou ela – O que diabos você quer, afinal?
– Nada – disse George, derrotado – Eu estava só brincando.
– Bater na minha cara não é nenhuma brincadeira! – gritou ela.
Houve uma batida na porta.
George abriu.
Era um dos aliens.
– Vocês não podem diminuir o barulho? – disse a coisa.
Os olhos e corpo se apagaram um pouco e George viu a imagem piscante de um homem gordo de meia idade vestindo uma camisa de mangas. Ainda era um homem quando George rasgou sua garganta com a faca de jantar, mas já era um alien antes de cair no chão. Ele o arrastou para o apartamento e fechou a porta com um chute.
– O que você vê aqui? –perguntou a Lil, apontando para a coisa-cobra de vários olhos caída ao chão.
– Senhor… Senhor Coney – ela sussurrou, seus olhos inflados de horror – Você… Acabou de matá-lo, como se não fosse nada.
– Não grite – disse George, avançando para ela.
– Não vou, George. Eu juro que não vou mas, por favor, pelo amor de Deus, abaixa essa faca.
Ela se afastou andando para trás até que suas escápulas estivessem pressionadas contra a parede.
George viu que não adiantaria nada.
– Eu vou te amarrar – disse George – Mas antes me diga em que quarto vivia o Senhor Coney.
– A primeira porta à sua esquerda seguindo em direção às escadas – disse ela – Georgie… Georgie, não me torture. Se você vai me matar, me mate rápido. Por favor, Georgie, por favor.
Ele a amarrou com lençóis e a amordaçou, então revistou o corpo do Fascinador. Havia outro daqueles minúsculos rádios que falava uma língua estrangeira, um outro conjunto de utensílios de jantar e nada mais.
George foi para a porta ao lado.
Ao bater, uma das coisas-cobra respondeu:
– Quem é?
– Amigo do Senhor Coney. Gostaria de vê-lo. – disse George.
– Ele saiu por um momento, mas logo estará de volta – a porta abriu uma fresta e quatro olhos amarelos espiaram para fora – Você quer entrar e esperar?
– Tudo bem – disse George, sem olhar para os olhos.
– Está sozinho aqui? – perguntou George enquanto a coisa fechava a porta de costas para ele.
– Sim, por que?
Ele abriu sua garganta por trás, então vasculhou o apartamento.
Encontrou ossos e crânios humanos, uma mão parcialmente devorada.
Encontrou tanques com lesmas enormes e gordas flutuando neles.
“Os filhotes”, pensou ele, e matou todos.
Haviam armas também, de tipos que ele nunca tinha visto antes. Disparou uma por acidente, mas felizmente era silenciosa. Parecia disparar pequenos dardos venenosos.
Meteu a arma no bolso, bem como o máximo de caixas de dardos quanto pôde, e voltou ao apartamento de Lil. Ela se contorceu em um terror impotente quando o viu.
– Relaxa, querida – disse ele, abrindo a bolsa dela – Eu só quero as chaves do carro emprestadas.
Pegou as chaves e desceu as escadas até a rua.
O carro dela ainda estava estacionado no mesmo lugar onde sempre estacionava. Ele o reconheceu pelo amassado no para-lama direito. Entrou, deu partida e começou a dirigir sem rumo. Dirigiu por horas, pensando desesperadamente, tentando encontrar uma saída.
Ligou o rádio para ver se encontrava alguma música, mas não havia nada além das notícias e todas falavam sobre ele, George Nada, o maníaco homicida. O locutor era um dos mestres, mas ele soava um pouco assustado. Por que deveria? O que poderia um homem fazer?
George não ficou surpreso ao ver o bloqueio na estrada, e virou em uma rua secundária antes de alcançá-lo. “Nada de viagens ao campo para você, pequeno Georgie”, pensou consigo.
Haviam acabado de descobrir o que fizera no apartamento de Lil, então era provável que estivessem procurando pelo carro dela. Estacionou em um beco e tomou o metrô. Por algum motivo, não haviam aliens no metrô. Talvez fossem bons demais para algo assim, ou talvez apenas fosse muito tarde da noite.
Quando finalmente um deles entrou, George saiu.
Ele subiu a rua e entrou em um bar. Um dos Fascinadores estava na TV, dizendo de novo e de novo:
– Nós somos seus amigos. Nós somos seus amigos. Nós somos seus amigos – O lagarto idiota parecia assustado. Por que? O que poderia um homem fazer contra todos eles?
George pediu uma cerveja e foi atingido pelo pensamento de que o Fascinador na TV não parecia mais ter poder algum sobre ele. Olhou novamente para a coisa e pensou, “Eles tem que acreditar que podem me dominar para fazê-lo. O menor esboço de medo de sua parte e o poder de hipnotizar se perde”.
Eles piscaram a foto de Georgie na TV e ele se esquivou para a cabine telefônica. Ligou para o Chefe de Polícia.
– Alô, Robinson? – perguntou.
– O próprio.
– Aqui é George Nada. Eu descobri como fazer as pessoas despertarem.
– O que? George, espere. Aonde você está? – Robinson soou quase histérico.
Ele desligou e pagou e saiu do bar. Eles provavelmente rastreariam aquela ligação.
Tomou outro metrô e foi para o centro da cidade.
Estava amanhecendo quando ele entrou no prédio que abrigava o maior dos estúdios de TV da cidade. Consultou o guia do prédio e então subiu com o elevador. O policial em frente ao estúdio o reconheceu.
– Ei, você é Nada! – ele arfou.
George não gostou de atirar nele com a arma de dardos venenosos, mas teve que fazê-lo.
Ele teve que matar muitos mais antes de entrar no estúdio em si, incluindo todos os engenheiros em serviço. Haviam muitas sirenes de polícia do lado de fora, gritos exaltados, e passos rápidos nas escadas.
O alien estava sentado em frente a câmera de TV dizendo; “Nós somos seus amigos. Nós somos seus amigos”, e não viu George entrar. Quando George atirou nele com a arma de agulhas ele parou em meio a frase e ficou apenas sentado lá, morto. George ficou perto dele e disse, imitando o coaxar alienígena:
– Acordem! Acordem! Veja como realmente somos e nos mate!
Foi a voz de George que a cidade ouviu naquela manhã, mas a imagem era a do Fascinador, e a cidade acordou pela primeira vez e a guerra começou.
George não viveu para ver a vitória que chegou finalmente. Ele morreu de um ataque cardíaco às oito horas em ponto.